Em evento do IAB, Lenio Streck critica concentração do poder decisório nos juízes e tribunais

A tese segundo a qual o Direito, as leis e os textos jurídicos são indeterminados, fato que abre precedente ao poder discricionário de juízes e tribunais superiores julgarem, deve ser avaliada como ceticista, disse o professor da pós-graduação em Direito da Unisinos, Lenio Streck. Durante a palestra Existe uma cultura ou um sistema de precedentes no Brasil?, apresentada pelo jurista nesta terça-feira (10/9), em evento do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), ele afirmou que, ao se transferir todo o poder decisório para os tribunais e juízes, sempre se incorre na possibilidade de concentração de autoridade.
“Dada a dita indeterminação, o significado último deve ser estabelecido pelos tribunais. E, depois que os tribunais estabelecerem, os demais devem obedecer”, disse o jurista. Na palestra, que aconteceu durante a Homenagem aos estudos de Lenio Streck, ele explicou que esse entendimento ganhou força com a aprovação do Código de Processo Civil de 2015. A partir disso, uma série de processualistas brasileiros passou a corroborar a tese firmada pelo Realismo Jurídico norte-americano, na qual há a perspectiva de que o sentido final do Direito deve ser estabelecido pelos tribunais.
Na abertura do webinar, o presidente nacional do IAB, Sydney Limeira Sanches, elogiou a iniciativa da Comissão de Direito Constitucional, que organizou o encontro: “Estão sempre ativos e trazendo para os eventos convidados muito caros ao Instituto”. Presidente da comissão, Miro Teixeira ressaltou as qualidades do homenageado e o definiu como um intelectual exemplar: “É muito boa a chance de ouvir o professor Lenio. Ele, há muito tempo, abominou e revelou seu horror pelo juridiquês, porque sabe que quem escreve bem é aquele que é entendido”.
A importância da homenagem ao jurista também foi destacada pela membro da Comissão de Direito Constitucional Laura Berquó. “Só o currículo dele tem 50 páginas”, brincou a advogada, elogiando a contribuição de Streck para o Direito brasileiro. Ela lembrou que o grupo tem buscado celebrar os feitos acadêmicos dos associados do IAB: “É muito gratificante poder homenagear as pessoas da Casa que têm produção acadêmica relevante e propor debates de temas que são do interesse de toda a sociedade”.
Em sua palestra, Streck também afirmou que é necessário partir do entendimento de que os precedentes jurídicos não são vinculantes de antemão, mas se tornam por sua interpretação. “Com base na doutrina à qual me filio, o precedente original do common law somente se torna um precedente a partir da atividade reconstrutiva da ratio decidendi por parte dos tribunais subsequentes”, disse ele.
Além disso, o professor avaliou criticamente o instituto jurídico do precedente persuasivo, argumentando que ele não existe em nenhum outro lugar do mundo a não ser no Brasil. “Ora, esse conceito sofre de uma contradição performativa. Se é persuasivo, não é vinculante? Para que serviria um precedente persuasivo? Ou ele é um precedente ou não é um precedente”, criticou Streck, destacando que o seu surgimento se deve ao afã do Direito brasileiro em criar regras-gerais.
Debatedor do webinar, o membro da Comissão de Direito Constitucional Pablo Malheiro da Cunha Frota explorou a concepção dos precedentes no Direito brasileiro, destacando dois paradigmas fundamentais: um filosófico e outro processual. Ele explicou que, no paradigma filosófico, prevalece a subjetividade e a filosofia voluntarista, em que as decisões são tomadas “conforme a consciência e conforme a vontade”. Já no paradigma processual, ele destacou a escola instrumentalista do processo, que vê o processo civil como “um instrumento do Direito material”.
Ele também abordou a revolução da linguagem no século XX, que trouxe uma nova perspectiva: a linguagem como “condição de possibilidade”. Nesse contexto, Frota ressaltou que o devido processo legal visa a garantir a defesa e o contraditório, permitindo que se atinja o direito pleiteado. Ele afirmou: “O juiz é o destinatário da prova, mas o juiz não é o dono do processo”, enfatizando que as provas são para o processo, e não para o juiz.
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